Hoje eu dei de rezar por nós. Por você, por mim e por todo mundo. É
que de tão convencidos das nossas qualidades, andamos esquecidos de
nossa imperfeição. Feito mulas cegas de desespero e aflição, estamos nos
pisoteando uns aos outros sem sequer nos darmos conta. Nesse caso, só
rezando.
Eu rezo. Quem sabe a vida nos lembre de que é preciso
parar e respirar, olhar o céu, ajustar o foco e começar de novo. Que
tenhamos cuidado e apreço conosco e com o outro. Que o amor seja mais,
muito mais que uma palavra bela. Que faça de nós amantes da gentileza e
dos gestos francos, defensores corajosos do trabalho honesto, operários
do respeito e construtores da beleza que nem sempre os olhos veem.
E que tão logo façamos a nossa parte, o universo nos responda com sol
e chuva para a festa das lavouras, e as paixões avassaladoras apareçam
de manhã nas sacolas dos carteiros, estendidas em frente às portas como
cachorros tomando sol. Que a esperança encha as caixas de entrada dos
e-mails e a saudade dos velhos amores extintos renasça em novos
encontros, com novas gentes, em outras possibilidades.
Que
instantes de absoluto desprendimento nos joguem na cara o quanto são
ridículos os nossos interesses rasteiros. Que notemos num susto que o
mundo vai carente de afeto e nós precisamos não de movas diligências
para que os ricos continuem ricos e os pobres se mantenham pobres, mas
de pequenas desobediências que desencadeiem imensas loucuras. E que
estourem em todo canto, como pipocas, milhares de milagres capazes de
enormes mudanças.
Que em cada casa do planeta brote uma nascente
de água poderosa capaz de curar toda e qualquer doença. E que a saúde
não seja mais um mercado cruel, liderado por gente vil decidindo as
mazelas que nos acometerão, ocupada sobretudo com quanto dinheiro há de
ganhar com isso.
Que os sete bilhões de seres humanos e outros
inúmeros espécimes vivos sobre a Terra acordem num dia qualquer e
descubram que o inimigo se tornou amigo. Que o credor decidiu facilitar a
dívida e todo malfeitor desistiu de fazer mal ao outro, em qualquer
instância, em toda escala.
Que o mundo seja invadido por bons
sentimentos, pela vontade de ajudar, a liberdade de ser só ou viver em
família, ser solteiro ou ser casado, ser amante ou ser amado, ser homem
ou ser mulher.
Que
amanhã de manhã saiamos às ruas e encontremos guardas de trânsito
orientando os carros entre passos de dança cheios de graça. Que todas as
pessoas ganhem o direito sublime de se comunicar cantando e a vida se
transforme num antigo musical de cinema. E que em cada família se contem
e cantem histórias sobre a criação do mundo, os gestos simples dos
grandes seres e a grandeza das pequenas coisas.
Que os velhinhos e
as crianças, habitantes extremos das duas pontas da vida, sejam
verdadeiramente ouvidos e celebrados por aqueles que estão no meio do
caminho.
Que todo ser vivo seja tomado de uma vontade
incontrolável de trabalhar e construir, criar e dividir. Que floresça em
cada um de nós um desejo de ajudar e a gratidão a quem nos ajude.
E
que as ruas ganhem novas árvores, muitas árvores espalhadas por lá e
cá, com pencas de amores novos do tamanho de jacas nascendo de seus
galhos.
Que Deus esteja entre nós no sorriso de nossos filhos, na
presença das pessoas queridas, na chegada e na partida, no calor do sol e
no barulhinho da chuva, no vento que assovia, na dor que chegue e
passe, na lua que vigia, no dia que nasce, na planta que cresce, na
alegria que vem sem aviso, na prece que renova e agradece, no amor da
gente, no mundo em paz e na vida que em todo canto acontece, a toda
hora, por todos nós e para sempre.
Hoje eu dei de rezar por você, por mim e por todo mundo. É que eu tenho a impressão de que nós andamos precisados.
Que
a prece então seja amiga de nossa imperfeição e nos ajude a seguir em
frente, com os olhos atentos em nossos erros e os braços abertos para o
perdão. Amém!
André J. Gomes
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