Por favor, não negue. Aí dentro de você, em algum lugar, escondidinho
ou escancarado, mora uma porção de ódio. Sejam caminhões carregados de
fúria em movimento arrastado, entupindo as ruas, vazando rastros de ira e
areia pelo caminho, sejam raivas penduradas feito jacas pesadas,
ameaçando despencar a qualquer momento e espatifar no chão do mundo,
todos nós sentimos ódio.
É ódio de alguém, de algo, de uma
lembrança, ódio de um sentimento indesejado, de comportamentos
irritantes, de situações ruins que se repetem, ódio do que não
aceitamos, ódio de nossa incapacidade de mudar velhos hábitos, ódio de
nosso medo do fracasso, ódio do que pensamos que alguém vá pensar de nós
quando perdemos ou ganhamos, ódio dos outros e de nós mesmos. Ódio!
Ódio! Ódio!
Odiar existe e faz parte de nós. Alguém invade a sua
casa e lhe rouba tudo o que você suou para comprar. Em meio a outros
sentimentos, pavor, tristeza, pesar, impotência, em alguma medida você
vai sentir ódio. Negá-lo é decepar uma parte legítima de nós mesmos. É
sufocar um sentimento vivo, pulsante, legítimo! E só pode nos fazer mal.
Amor e ódio moram juntos. Mas quem manda na casa é você.
Você
acha mesmo que Vincent Van Gogh adorava ser arrastado ao manicômio feito
um animal selvagem? Acha? É claro que não! Ele odiava! Van Gogh sentia
dor. A dor de sua própria doença, a dor de não compreender o que
passava, a dor do ódio que machuca fundo. Ele detestava aquilo tudo. Mas
então, misteriosamente, em dias de dor e de raiva ele pintava e
transformava sua ira em uma beleza arrebatadora e colossal. Por isso é
um dos artistas mais fascinantes da história humana e um dos homens mais
incríveis que já viveram e sofreram entre nós. Em algum lugar lá dentro
dele, o amor pela arte foi mais forte que o ódio e a dor.
Negar a
presença do ódio em nós mesmos é engolir uma bomba acesa. Se ninguém
apagar o pavio, uma hora vai explodir. É preciso tirar a bomba de lá, de
algum jeito. Dá trabalho, mas é o que se deve fazer. Ignorar que
sentimos ódio é uma grande e pavorosa falta de amor.
Logo, o maior
inimigo do amor não é o ódio, ué. É a negação de que você odeia. Se não
há o que odiar, o amor perde o emprego, a utilidade. Torna-se um amor
fraquinho, raquítico, inútil. Amor bom é amor ativo, atento, vigilante.
Amor em exercício contra o ódio à espreita. Amor aos outros e a nós
mesmos. Amor! Amor! Amor!
O ódio existe, sim. Mas ele não suporta a
presença do amor. Onde vive um amor potente, seguro, cultivado com
ternuras e bondades, o ódio acende e logo apaga. Perde a força. Sai de
perto.
O sujeito toma uma fechada violenta no trânsito e percebe a
atitude maldosa do motorista do outro carro. Está armada a cena. Se
aquele que tomou a fechada tiver mais ódio que amor, ele vai descer do
carro e chamar a atenção do outro. O outro, já tomado de fúria, vai
partir para a briga. E só Deus sabe o que vai acontecer depois. Agora,
se no coração do homem que levou a fechada o amor for maior do que o
ódio, ele vai gritar um palavrão na hora, porque ninguém é de ferro, e
vai deixar o provocador irascível seguir adiante. Vai respirar fundo e
deixar pra lá.
Dentro de nós tem amor e tem ódio sempre. Eles
moram juntos. Mas é você quem escolhe quem manda na casa. Não adianta
varrer poeira para debaixo do tapete. A gente tem de limpar o chão,
esfregar a craca, lavar a sujeira e tirar o lixo para fora. Está aí um
maravilhoso exercício de amor. E não há ódio que resista a gente que ama
com força. Não há ódio que crie asa quando o amor é quem manda na casa!
Por André J. Gomes
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