terça-feira, 16 de agosto de 2016

Só por hoje


 Só por hoje
Hoje vou levantar de manhãzinha sem reclamar se o sol cismar de nascer mais quente. Quero colocar uma roupa fresca e abraçar a vida.
Hoje vou sair de casa e meu dia de trabalho será produtivo. Vou dizer “bom dia” desejando verdadeiramente que o outro tenha um dia bom. Só por hoje vou esquecer a tristeza dos ontens, apagar da memória o nome daqueles que me passaram uma rasteira. Hoje não vou lamentar pelas pessoas que me deixaram, pelos poemas que ninguém me escreveu, pelo fim de semana que acabou chovendo.
Hoje vou olhar as azaléias no canteiro junto ao portão e contempla-lás.
Quero ouvir uma canção que fale de felicidade, quero batom carmim.
Um copo de suco de abacaxi.
Hoje vou revirar na gaveta a procura de uma fotografia antiga, um cartão postal, um bilhete amassado. Quero que a poeira das lembranças desperte em mim uma pitada de saudade. De saudade boa capaz de me arrancar um sorriso.
Hoje antes que termine o dia, quero o Russo me cantando estórias de amor, quero hoje ainda reler meu soneto preferido, terminar meu pote de Nutella, conferir meus e-mails, rir novamente de uma piada velha.
Hoje quero ir embora a tempo de celebrar o sol se pôr, vou sonhar o lusco-fusco do entardecer e esperar a escuridão chegar. Hoje não vou permitir que o preto da noite me deixe de luto. Quero debruçar na janela e ouvir o som de insetos. Ouvir o som da cidade. Ouvir o externo antes que a minha essência vire vulcão. Hoje vou contar meus segredos para a lua.
Ainda que amanhã eu volte a usar a armadura, por hoje vou ser feliz.
Feliz agora, pois, não é mesmo este instante a única coisa que me pertence?
Pode ser que amanhã eu me entristeça por uma ligação não recebida ou uma discutição no trânsito.
Pode ser que amanhã eu me amargure por ter me permitido ser tão feliz hoje.

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